A psicologia positiva, formalmente estabelecida no final da década de 1990 por Martin Seligman, propõe uma mudança de paradigma: em vez de se concentrar apenas nas patologias, foca-se naquilo que torna a vida plena — como a felicidade, o otimismo, as forças pessoais e o bem-estar. Em paralelo, a neurociência, área que estuda o sistema nervoso e o funcionamento do cérebro, tem fornecido bases biológicas para muitos dos conceitos da psicologia positiva. A intersecção entre estas duas disciplinas tem revelado descobertas fundamentais sobre a forma como o cérebro responde a emoções positivas, gratidão, compaixão e sentido de vida.

Emoções Positivas e Atividade Cerebral
Estudos de neuro-imagem mostram que emoções positivas estão associadas à ativação do córtex pré-frontal esquerdo, uma região envolvida na regulação emocional e no planeamento de comportamentos. Richard Davidson, pioneiro na neurociência afetiva, demonstrou que pessoas com maior atividade nesta região tendem a relatar mais emoções positivas e maior resiliência ao stress. A prática regular de gratidão e otimismo, conceitos centrais na psicologia positiva, também ativa os circuitos dopaminérgicos ligados ao sistema de recompensa, como o núcleo accumbens. A dopamina, neurotransmissor associado à motivação e ao prazer, é um dos mediadores neuroquímicos por detrás das experiências positivas, reforçando a ideia de que treinar a mente para focar no positivo pode literalmente “reprogramar” o cérebro. A expressão “reprogramar o cérebro” é metafórica – na verdade, significa fortalecer conexões sinápticas em certas redes pela repetição de experiências positivas: neuroplasticidade dependente da experiência.
Neuroplasticidade e Intervenções Positivas
A neurociência moderna confirma que o cérebro é plástico — ou seja, pode alterar-se com a experiência. A psicologia positiva utiliza este princípio através de intervenções positivas (como exercícios de gratidão, registo de conquistas ou práticas de mindfulness) que fortalecem os circuitos neuronais associados ao bem-estar. Estudos indicam que, após apenas algumas semanas de prática regular, ocorrem alterações estruturais e funcionais em áreas como o hipocampo (envolvido na memória) e o córtex cingulado (ligado à regulação emocional).
Por outras palavras, exercícios mentais focados em experiências positivas podem resultar em mudanças físicas no cérebro, consolidando hábitos mentais saudáveis.
Um exemplo notável é o trabalho de Barbara Fredrickson sobre a teoria das emoções positivas, que sugere que sentimentos como alegria, interesse e amor expandem a capacidade de pensamento e fomentam o crescimento psicológico. Estes estados emocionais, quando experienciados de forma recorrente, promovem alterações na atividade cerebral, dando respaldo empírico à teoria ‘Broaden and Build’ – Barbara Fredrickson propôs que emoções positivas imediatas ampliam o repertório cognitivo (broaden – ampliar), e ao longo do tempo constroem recursos pessoais (Build – construir).

Mindfulness e Regulação Emocional
O mindfulness, prática frequentemente promovida pela psicologia positiva, é outra ponte entre estas duas áreas. Pesquisas em neurociência demonstram que a meditação mindfulness aumenta a espessura cortical em regiões relacionadas com a atenção e a regulação emocional, como o córtex pré-frontal e a ínsula. Além disso, verifica-se uma redução da ativação da amígdala, estrutura cerebral associada às respostas de medo e stress. Jon Kabat-Zinn, criador do protocolo de Redução de Stress com base no Mindfulness (MBSR) – introduziu o mindfulness no Ocidente de forma científica, mostrou que estas práticas reduzem significativamente os sintomas de ansiedade e depressão, enquanto potenciam o bem-estar — um dos principais objetivos da psicologia positiva.
Outros benefícios que a neurociência detetou com mindfulness: melhora da conectividade funcional entre redes de atenção e controle executivo, e redução da atividade da rede de modo padrão (DMN) (associada a pensamentos autorreferenciais e ruminação).
Valores, Propósito e Neurociência Social
Outro ponto de convergência relevante é a investigação sobre o sentido de vida e o propósito. A neurociência social indica que viver de acordo com valores e objetivos significativos ativa áreas como o córtex pré-frontal medial, envolvido na autorreflexão e na tomada de decisões baseadas em valores (por exemplo, avaliar o que é importante para si mesmo, considerar o eu no futuro, etc.). Estes dados sustentam a importância do propósito como fator protetor da saúde mental e do bem-estar. Neurobiologicamente, poderíamos considerar que um forte senso de significado – de propósito – ativa redes cerebrais recompensadoras e de controle emocional, ajudando as pessoas a lidar melhor com desafios.
Aplicações Práticas
As aplicações dessa integração são amplas e eficazes:
Educação: Programas como o “Positive Education” incorporam práticas de atenção plena, identificação de forças pessoais e gratidão no currículo escolar, promovendo maior engajamento e desempenho acadêmico.
Saúde: Intervenções baseadas em psicologia positiva têm sido eficazes tanto na atenção primária quanto secundária à saúde. Pacientes com doenças crónicas que praticam otimismo e gratidão relatam menos dor e maior adesão ao tratamento.
Ambiente de trabalho: Empresas que adotam práticas como reconhecimento de conquistas, coaching baseado em forças e pausas conscientes observam aumento na produtividade, redução do burnout e maior satisfação dos colaboradores.
Terapia: A psicologia positiva é usada como complemento em tratamentos de depressão e ansiedade, com foco não apenas na redução de sintomas, mas na construção de uma vida com sentido e realização.

Conclusão
A psicologia positiva e a neurociência, embora com metodologias distintas, convergem na sua missão de compreender os mecanismos que sustentam o bem-estar humano. A psicologia positiva oferece as práticas e teorias; a neurociência confirma os seus efeitos com evidência fisiológica e empírica.
Juntas, proporcionam uma via integrada para promover saúde mental, felicidade duradoura e desenvolvimento pessoal e em colaboração abrem caminho para novas pesquisas e intervenções inovadoras
A pesquisa continua, e cada descoberta traz novas perguntas. Apesar do progresso, ainda há muito a explorar: por exemplo – entender que intervenções positivas funcionam melhor para que pessoas e como sustentá-las ao longo do tempo – mas a colaboração entre neurociência e psicologia positiva vai continuar a gerar insights e impactos mutuamente benéficos.
Vera Doutel, Paula Senra, Julho 2025
Referências
Davidson, R. J., & McEwen, B. S. (2012). Social influences on neuroplasticity: Stress and interventions to promote well-being. Nature Neuroscience, 15(5), 689–695.
Fredrickson, B. L. (2001). The role of positive emotions in positive psychology: The broaden-and-build theory of positive emotions. American Psychologist, 56(3), 218–226.
Seligman, M. E. P. (2011). Flourish: A Visionary New Understanding of Happiness and Well-being. Free Press.
Tang, Y.-Y., Hölzel, B. K., & Posner, M. I. (2015). The neuroscience of mindfulness meditation. Nature Reviews Neuroscience, 16(4), 213–225.
Caminho Saúde – O Papel da Neurociência, Psicologia Positiva e Mindfulness: https://caminhosaude.com/neurociencia-e-saude-mental/o-papel/
SciELO – Psicologia Positiva e Saúde: Desenvolvimento e Intervenções: