Por que motivo estamos sempre com pressa? Existe alguma solução para a falta de tempo?
A nossa cultura diz-nos que quanto mais rápido, melhor. Mas enquanto não interiorizarmos que o nosso ritmo é o ritmo da natureza, continuaremos como a personagem do coelho em “Alice no País da Maravilhas”: conhecido pela sua pressa, sempre a carregar um relógio na mão e preocupado com o tempo. Sem tempo para o que temos de fazer, sem tempo para nós, numa correria entre uma atividade e outra.
ABRANDAR, SENTIR, DESFRUTAR
Seja regressando ao que é simples, aproximando-se da natureza, ou praticando a quietude num ambiente mais formal, devemos proporcionar a nós mesmos momentos de calma e serenidade. Seja para abrandar o ritmo do dia-a-dia, aprender a respirar pausadamente, ou para conseguir estar mais presente.
Slow Living
Este movimento surgiu na década de 1980 e, contrariamente ao senso comum, não defende a preguiça. A ideia central deste movimento é desacelerar, parar para olhar para dentro e dar mais valor a situações que, com a correria do dia-a-dia, nos passam ao lado. O slow living é um dos grandes pilares do nosso bem-estar, implica uma relação mais estável connosco e com os outros, um envolvimento harmonioso com os recursos ambientais e envolve viver de forma mais consciente, apreciando o presente, priorizando o bem-estar de forma a encontrar um ritmo mais natural e equilibrado.

Em essência, o slow living ou slow experiences, refere-se a um movimento que incentiva a desaceleração do ritmo de vida, valorizando o presente e a qualidade das experiências em vez da quantidade e velocidade. Isso envolve tomar consciência do tempo, reduzir o stresse e encontrar alegria nas atividades quotidianas, seja através de práticas como meditação, ioga, ou simplesmente passando mais tempo na natureza:
1. SIMPLIFIQUE A SUA VIDA
Viver a vida com mais simplicidade é a chave para ter tempo para o que importa. Priorizar a qualidade sobre a quantidade é o lema de todos os aspetos das nossas vidas. Ao viver no presente e valorizar as pequenas coisas, é possível apreciar mais a beleza da vida e encontrar alegria nas atividades quotidianas. Liberte-se do excesso de objetos, atividades e compromissos. Foque-se no que realmente importa para si.
Está hora de parar. Sabemos que não é assim tão fácil passar da teoria à prática quando a agenda está repleta de compromissos, mas vale a pena tentar. Podem ser apenas uns minutos, mas farão decerto toda a diferença.
Como os ocupar? Com a sua música preferida, um passeio a pé, uma sesta, ou fazer absolutamente nada. O que importa é fazer coisas simples, estar bem consigo mesmo(a) e sem sombra de culpa por isso.
2. MINDFULNESS NO DIA-A-DIA
O ritmo frenético e repetitivo que se impõem é altamente prejudicial, mas é possível dar a volta. Só precisa de transformar estes atos de todos os dias em rituais, dar-lhes mais atenção e foco e, se possível, mais tempo. Além disso, é uma forma de praticar Mindfulness e traz grandes benefícios para a nossa mente.
Disponha de tempo e concentre-se quando, por exemplo, tomar banho, conduzir ou apanhar o transporte público, quando for ao supermercado e até comer. Experimente, por exemplo, construir algo do zero, consertar algo ou aprender uma técnica artesanal.
Aprecie o momento, pratique a atenção plena, viva cada experiência com mais consciência e gratidão.

3. ESTEJA ONLINE PARA O QUE IMPORTA
Estar sempre conectado afeta a nossa capacidade de desacelerar. É certo que a tecnologia é fundamental hoje em dia, mas é preciso saber medir o nível de influência que ela tem sobre nós. É essencial consumir informação, mas sem ser consumido por ela, para ter tempo para as coisas importantes que acontecem offline.
O desafio é ligar-se a si próprio(a) e, para isso, sugerimos que se desligue da Internet. Coloque o smartphone no silêncio, guarde o portátil no armário e não pegue no comando da televisão. Pode ser apenas durante 5 ou 10 minutos, o importante é que faça do offline um ritual diário e, se possível, vá aumentando a duração. Estes momentos são só seus, aproveite-os para olhar para o que está para lá dos ecrãs e olhe para o seu interior.
4. PRATIQUE A ESCUTA ATIVA
Desfrutar em pleno do slow living passa também por ter em conta a relação com os outros, desde logo os que nos estão mais próximos. Sentir a comunidade ao nosso redor é essencial para uma vida consciente.
Tenha tempo e faça o teste de dizer “bom dia” às pessoas que vê todos os dias na rua ou no café e oiça o que elas têm para lhe dizer. No fundo, cultivar conexões mais profundas e significativas com as pessoas ao seu redor.
Não precisa de grandes gestos para animar o seu amigo que já teve melhores dias, um telefonema pode bastar. E há quanto tempo não diz ao seu parceiro ou aos seus pais o quão importantes eles são para si?
5. VIVER PARA ALÉM DO TRABALHO
Procure o equilíbrio no trabalho entre a produtividade e o bem-estar, evitando o excesso de tarefas e o esgotamento, e priorize a qualidade sobre a quantidade.
Se está em teletrabalho, então deve sentir mais do que nunca esta pressão. Cuidar dos filhos, arrumar a casa, assistir a reuniões, cumprir prazos…um sufoco. Um dos princípios mais importantes do slow living é precisamente contrariar esta loucura e fazer uma coisa de cada vez. Experimente criar uma lista de tarefas por ordem de prioridade e cumpre-a de modo consciente, com toda a sua atenção. Não se esqueça de fazer pausas pelo meio.

6. CONECTE-SE COM A NATUREZA
Ansiedade e burnout são duas condições cada vez mais recorrentes, mas que podem ser evitadas graças à adoção de outro princípio do slow living: o contacto com a natureza.
No próximo fim de semana troque a ida ao shopping por um passeio na praia ou convide os amigos para uma caminhada. E nada como mexer na terra para aliviar o stress. Já pensou em ter uma horta ou um jardim vertical em casa? Flores, plantas e até ervas aromáticas que pode usar nos cozinhados e outras receitas caseiras são algumas opções. Para além de despertarem os sentidos, estes momentos vão dar-lhe outra noção de timing, obrigando a desacelerar e a assumir o ritmo da própria natureza.
O que diz a ciência
A Universidade Católica Portuguesa desenvolveu um estudo na Herdade do Esporão sobre quais as vantagens de um estilo de vida mais tranquilo e qual a sensibilidade dos portugueses para esse assunto.
A principal conclusão é a de que quem abranda tende a ser mais feliz. Os resultados do estudo, divulgados por Ricardo Ferreira Reis, diretor do Centro de Estudos Aplicados da Católica Lisbon School of Business & Economics, levam a concluir que 82.2% dos portugueses, dos quais 60% não adotam um estilo de vida calmo, deseja fazê-lo. Por outro lado, ficou claro que aqueles que têm uma vivência tranquila passam mais tempo fora do trabalho, dedicam-se a atividades exteriores e são melhores organizadores do seu tempo, apresentando níveis de foco mais elevados. O estudo indica ainda que a boa gestão de tarefas, algum tempo livre para as relações familiares e sociais são os indicadores que mais contribuem para o bem-estar geral (revista Visão).
“A inactividade tem sua própria lógica, sua própria linguagem, sua própria temporalidade, sua própria arquitetura, seu próprio esplendor, sua própria magia. Ela não é uma fraqueza, uma falta, mas uma intensidade que, todavia não é nem percebida nem reconhecida na nossa sociedade da atividade e do desempenho.” Byung-Chul Han
Para Byung-Chul Han, estamos a perder a nossa capacidade de não fazer nada. A nossa existência é completamente absorvida pela atividade. Só percebemos a vida em termos de desempenho, tendemos a interpretar a inatividade como um déficit, uma negação ou uma mera ausência de atividade. Byung-Chul Han investiga os benefícios, o esplendor e a magia do ócio, projetando um novo modo de vida – que inclui momentos contemplativos – para enfrentar a atual crise da nossa sociedade e impedir a nossa própria exploração e destruição da natureza.
Ao desacelerar, é possível ter mais tempo para cuidar de si mesmo, praticar atividades físicas e conectar-se com a natureza, promovendo o bem-estar geral. A prática do slow living pode ajudar a acalmar a mente e reduzir os níveis de cortisol, a vulgarmente chamada hormona do stresse.
A adoção deste estilo de vida permite abrir a nossa janela de tolerância. No contexto da psicologia, a “janela de tolerância” refere-se à faixa de excitação emocional e fisiológica que uma pessoa consegue suportar sem se sentir sobrecarregada ou perder a capacidade de funcionar. Através de um processo contínuo e com o apoio certo, é possível gradualmente expandir a nossa janela de tolerância, permitindo uma vida mais equilibrada e tranquila.
Claro que há muitas formas de desacelerar, mas o melhor é começar com algo que funcione para si, ações simples que deixam o seu dia mais leve, e depois, ser persistente. Agir menos com mais tempo, passar tempo sozinho(a), cultivar uma atitude positiva e agir devagar, com calma, sempre.
O movimento Slow não defende fazer tudo a passo de caracol; significa viver melhor no frenético mundo moderno, encontrando um equilíbrio entre o rápido e o lento. Carl Honoré revela-nos um movimento que desafia o culto da velocidade, provando que mais devagar é muitas vezes melhor.
Filipe Maia, Psicólogo, sócio APPFHS,
Mentor do projecto Walk to Believe
Referências Bibliográficas
Han, Byung-Chul (2023). Vita Contemplativa ou sobre a inatividade. Rio Janeiro, Editora Vozes.
Honoré, C. (2006). O Movimento Slow. Alfragide, Estrela Polar.
https://www.fnac.pt/Slow-Living-o-que-e-e-como-por-em-pratica/cp2765/w-4
https://pt.loccitane.com/slow-life-abrandar-o-ritmo
https://slowlivingflow.pt/2024/09/28/a-arte-de-abrandar-a-descoberta-dos-principios-do-slow-living/
https://visao.pt/atualidade/sociedade/2019-06-12-carl-honore-fundador-do-movimento-slow-da-20-dicas-para-abrandar-no-trabalho/

