Sempre que trabalho as Forças de Carácter, seja em que contexto for, esta é a que suscita mais dúvidas e que normalmente as pessoas não dão muita importância, penso eu, que seja exatamente por desconhecimento da sua profundidade. A verdade é que beleza e excelência, se estivermos atentos, existe em tudo e em todos, de formas diferentes claro está, e a sua perceção também é subjetiva e por isso mesmo pode ser uma experiência tão rica. Para isso basta estarmos despertos para a unicidade de cada situação, de cada elemento ou subtis aspetos que nem sempre damos o devido valor.
Por exemplo será que eu hoje já me apercebi da luminosidade do dia? O que ela tem de diferente, ou o que faz sobressair? Será que já senti a energia da minha casa? O que é que me traduz, tranquilidade ou vitalidade? Apercebi-me das expressões das pessoas com quem me cruzo, do beijo dos meus filhos? Ao que realmente estamos a prestar atenção?
Há várias formas de explorar esta apreciação:
Quando vemos uma exposição de arte e nos predispomos para conhecer diferentes perspetivas, artistas e abordagens, admirando a criatividade, a ousadia.
Quando assistimos a concertos, peças de teatro, cinema, eventos desportivos, onde podemos estar atentos ao desempenho, à mensagem.
Quando lemos romances, policiais, biografias e tantas outras histórias que nos inspiram e nos fazem voar na imaginação.
Ao caminhar na natureza, atentos aos sons, às cores e a toda a diversidade de sensações que nos proporciona, o sentir da areia nos pés ou a água fria do mar.
Tudo isto, e muito mais, são possibilidades de desenvolvermos esta força de carácter, mas para isso acontecer precisamos da nossa atenção, da nossa disponibilidade e de estarmos livres de ideias rígidas ou pré feitas. Porque no fundo todas estas práticas não são mais do que autocuidado, quando nos permitimos a usufruir do belo e do excelente estamos a cultivar o nosso bem-estar, a deixar florescer também o que há de belo e excelente em nós. Quantas vezes temos este olhar apreciativo para connosco próprios? Por norma é-nos difícil reconhecer a nossa própria beleza, aquilo em que somos excelentes, tendemos a desvalorizar ou até a desconsiderar, mantemos uma mentalidade de escassez e fixa, que nos vai fazendo acreditar que nunca seremos suficientemente bons, que somos assim e ponto, não é possível mudar ou evoluir, com medo de falhar, do que os outros vão pensar, perseguimos a excelência dos resultados esquecendo de usufruir da viagem, de estarmos atentos à beleza do caminho…
E para com os outros? Será que somos mais condescendentes ou críticos? E para quando um olhar genuíno de apreciação? Acredito que no dia em que o nosso olhar se debruçar na essência de cada um, tudo se tornará mais fácil, quando estivermos dispostos a olhar os outros na sua singularidade e não nos padrões pré estabelecidos, construtos sociais que seguimos sem questionar.
A psicóloga Nancy Etcoff investiga estas questões da beleza no seu livro “Survival of the Prettiest: The Science of Beauty” onde explora para além das raízes biológicas na perspetiva evolutiva, a influência significativa da cultura na definição dos padrões do belo. Neste ponto acho importante referir como todos nós somos responsáveis pela construção dessa cultura, ou seja, não é só a cultura que nos define e sim os padrões sociais que construímos que define a sociedade que temos, assim estejamos nós predispostos para ter um papel ativo na sociedade que queremos criar. Ao entender a ciência da beleza, podemos trabalhar para uma sociedade que aprecia a beleza e a excelência de maneira mais inclusiva que não seja limitada por estereótipos. O que implica sermos capazes de os desconstruir, reconhecendo que a beleza vai além dos padrões convencionais e inclui a diversidade de corpos, idades, e características étnicas. De valorizar de forma equitativa, ou seja, promover a apreciação da excelência de todas as pessoas, em todas as áreas, reconhecendo as suas contribuições e talentos. E de educarmos e sensibilizarmos desde cedo para a diversidade da beleza e a importância de valorizar a excelência em todos os géneros.
Colocarmos em prática a mentalidade de crescimento para todos e com todos, descobrirmos formas de aprender com a diferença, de potencializar o melhor de cada um, independentemente do género, da etnia, da cultura, ver a beleza em toda essa diferença, aceitar o outro na sua multiplicidade e valorizar o seu potencial, pois todos temos algo de único para partilhar com o mundo, todos podemos brilhar, sem que isso ofusque ninguém, muito pelo contrário, que sirva para iluminar outros caminhos, que possamos cada um de nós também ser um exemplo. Só podemos praticar a igualdade quando aceitarmos a beleza e a excelência da diversidade.
Desenvolver a apreciação da beleza e da excelência pode enriquecer a vida de maneiras profundas e variadas.
É uma força que nos ajuda a ver o mundo com olhos mais atentos e um coração mais aberto, permitindo-nos encontrar a maravilha e a inspiração em cada canto da nossa existência.
Não é apenas sobre observar algo bonito ou admirar uma habilidade; é também sobre reconhecer e valorizar a diversidade que existe em todas as suas formas, seja em nós, nos outros ou no que nos rodeia. Ao integrarmos práticas no nosso dia a dia de apreciação da beleza e da excelência, vamos estar aptos a avançar na direção de uma sociedade mais equitativa e inclusiva, onde a beleza e a excelência de todos sejam reconhecidas e celebradas.
Inês Sottomayor
Inspirações:
Etcoff, N. (1999). Survival of the Prettiest: The Science of Beauty
Seligman, M. E. P., & Peterson, C. (2004). Character strengths and virtues: A handbook and classification.
Dweck, Carol S., (2020) Mindset – A Atitude Mental para o Sucesso