No dia 1 de Janeiro celebrou-se o dia Mundial da Paz.
Em 2015, a Organização das Nações Unidas elaborou a agenda 2030 definindo como um dos 17 objetivos para o desenvolvimento sustentável, a Paz, a Justiça e as Instituições Eficazes.
Se procurarmos na internet a palavra, surge-nos em primeiro lugar a definição da Wikipédia: “A Paz (do latim: Pax) é geralmente definida como um estado de calma ou tranquilidade, uma ausência de perturbações e agitação. Derivada do latim Pacem = Absentia Belli, pode referir-se à ausência de violência ou guerra.”
No ano de 2024 o mundo ainda vive em guerra. As notícias e as imagens são avassaladoras e inacreditáveis. Os relatos e os testemunhos chocam e comovem. Perante níveis de tão esmagadora violência, sentindo-nos impotentes e incapazes, podemos desligar a TV e evitar pensar nisso. Em alternativa, podemos pensar a Paz na perspetiva positiva e quotidiana, ou seja, procurar diariamente formas de cultivar relacionamentos pacíficos, de trazer mais tranquilidade e bem-estar aos nossos contextos de trabalho e de nos relacionarmos de formas mais empáticas e acolhedoras com a nossa família, no nosso trabalho e com os nossos amigos e conhecidos.
Podem os pais ensinar a paz? Este é o título de um artigo de Carmen Sobczac, editora da Great Good Magazine que sugere uma resposta afirmativa à questão.
Tendo por base o estudo publicado no Journal of Child Development ((Volume 82, Nº1, Jan/Fev 2011) a autora conclui que quando os pais defendem ativamente a resolução pacífica de conflitos perante os filhos, essas crianças agem em média de forma menos agressiva, mesmo que frequentem escolas violentas.
Os efeitos da parentalidade observados nesta investigação variaram entre os sexos e também ao longo do tempo. Não obstante, foi possível concluir que se os pais quiserem que os filhos pratiquem a bondade em vez da violência, devem reforçar a importância das estratégias pacíficas para a resolução de conflitos desde tenra idade.
Os autores argumentam ainda que serão pertinentes intervenções que apoiem os pais a sentirem-se competentes para conversar com os filhos sobre a violência e para modelar comportamentos apaziguadores. Algumas estratégias para pôr em prática com os mais novos incluem:
1. Reconhecer as capacidades de pacificação das crianças.
Reconhecer quando uma criança resolve um conflito, soluciona um problema ou comunica claramente uma emoção. Todas estas habilidades são componentes essenciais para o estabelecimento da paz.
Quando reconhecemos e rotulamos estas ações, mostramos às crianças como identificar e valorizar as suas próprias capacidades de pacificação:
“Uau, a Maria arranjou uma maneira de vocês partilharem estes blocos e construírem em conjunto. Mostrou uma grande capacidade de resolução de problemas”
2. Criar espaços para a paz.
A construção da paz é um desafio para todos, incluindo para os adultos. Apoiar as crianças na construção da paz, tanto em resposta a situações específicas como com o objetivo de fazer da paz um pilar duradouro da vida em família e em sociedade implica intencionalidade e consistência. Pode designar-se um espaço em casa e utilizar objetos disponíveis. Por exemplo, criar um canto ou a mesa da paz que podem ser usados pelas crianças mais novas para resolverem conflitos com os irmãos ou com os pais sendo esta mesma estratégia válida também na sala de aula. É possível também ter fantoches ou bonecos da paz, que podem ajudar as crianças a representar os seus sentimentos. Os adultos podem praticar com as crianças, exemplificando e sendo modelos de comportamento.
3. Modelar e identificar as suas próprias competências de pacificação.
As crianças olham para nós, enquanto educadores e cuidadores, para que sejamos modelos do que é a pacificação. Enquanto demonstramos a resolução positiva de problemas, não nos devemos esquecer identificar e de falar sobre os nossos próprios sentimentos para que as crianças nos ouçam. Partilhe mensagens deste género: “Eu também me sinto frustrado/a neste momento e também um pouco zangado/a. Vou tentar respirar fundo algumas vezes para relaxar o meu corpo e a minha mente, e pensar nas coisas boas que quero fazer e dizer a seguir”.
4. Observar, escutar e aprender
Quando as crianças expressam emoções intensas, é importante prestar muita atenção e dar-lhes a oportunidade de nos mostrarem e ensinarem o que estão a sentir. Sintonizarmo-nos com plena consciência pode ajudar-nos a dar sentido às emoções à medida que elas surgem: Porque é que esta criança se está a sentir assim? O que é que sabemos sobre a criança (na escola e em casa)? Quando praticamos a escuta atenta, também demonstramos às crianças que as respeitamos e que validamos os seus sentimentos:
“Estou a ver que estás zangado. Gostaria de saber porquê – queres contar-me?”
5. Respeitar a criança como um todo
Demonstrar respeito é também estabelecer limites e indicar claramente o que é socialmente esperado e o que não é desejado nem correto.
A pacificação positiva convida a que todos os aspetos das relações e do ambiente de aprendizagem sejam respeitosos. Observe a sua família e pergunte a si próprio/a:
Como é que cada um de nós está no espaço de casa, nas nossas viagens, no cumprimento de horários e nos mais variados momentos ao longo do dia? Há diferenças?
Com que desafios é que cada um de nós, na família, se depara? Esses desafios são adequados ao nível de desenvolvimento das crianças?
Que alterações posso fazer para ajudar a criança a manobrar e a aprender com o ambiente, as pressões, os horários, as tarefas e os momentos mais exigentes do dia? E como é que a partir deles posso trazer mais serenidade e regulação?
6. Contar e celebrar histórias positivas e fraternas
Contar, ler e partilhar histórias sobre a paz e o bem que observamos à nossa volta é uma forma de inspirar ações pacíficas e pacificadoras.
Ao longo do dia, tendo o cuidado de adequar a linguagem à compreensão da criança, pode descrever o que vai acontecendo de bom e o que antecipa de melhor: “Quero partilhar uma história sobre a minha parte favorita do dia de hoje. No trabalho, reparei que o meu colega Tiago estava a ter dificuldades em abrir um programa no computador e que a Ana ofereceu-se para o ajudar. Quando a Ana conseguiu abrir o programa, o Tiago sorriu, agradeceu-lhe muito e até a abraçou. Deu para perceber que ele estava feliz por ter uma colega tão bondosa.” “Sei que vou continuar a ver-nos cá em casa a cuidar uns dos outros, a ajudarmo-nos mutuamente e a expressarmos os nossos agradecimentos, e isso é emocionante de ver.”
A educação para a Paz afirma-se nesta perspetiva enquanto domínio de investigação-ação privilegiado, urgente e transformador.
Em 2018 foi criada a Cátedra “Educação para a Paz Global Sustentável (E = GPS)” na Universidade de Lisboa, integrando quatro principais linhas de atuação – investigação científica aplicada, formação e educação avançada, inovação nas práticas e disseminação. Nesse âmbito, inúmeras ações têm sido realizadas, a nível nacional e internacional. Uma delas é o livro Carmo, H., Serra, F., & Marujo, H. Á. (2022) Educação para a Paz global sustentável: Complexidades e contributos. Lisboa: Pactor/ISCSP.
Convidamos-vos a aceder ao livro se quiserem saber mais sobre como colocar em prática a paz nas nossas vidas.
Autores: Helena Águeda Marujo; Mónica Godinho