Existe uma relação entre ambiente sustentável, a psicologia positiva e florescimento humano? 

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Diríamos que sim, mas não basta uma resposta simples. Só uma visão multifacetada e interconectada, envolvendo diversos aspetos desde o bem-estar individual, ao comunitário e ambiental, poderá responder à questão.

O ambiente sustentável refere-se a um sistema ecológico que suporta a vida humana e outras formas de vida de maneira que a natureza possa regenerar recursos sem sofrer degradação permanente. Isso inclui práticas como a conservação de recursos naturais, a redução de poluição e a promoção da biodiversidade.

A psicologia positiva é um campo da psicologia que se concentra no estudo das forças, virtudes e factores que permitem aos indivíduos e comunidades prosperarem. Enfatiza aspetos como felicidade, resiliência, gratidão, e realização pessoal.

O florescimento humano vai além da mera sobrevivência ou ausência de doença; este conceito abrange a realização do potencial completo de uma pessoa, envolvendo bem-estar emocional, social e psicológico. 

Enquanto ciência, a psicologia positiva pode ser vista em três níveis: individual, de grupo e social. 

nível individual, a pesquisa concentra-se no indivíduo, tentando descobrir e enfatizar as características positivas na natureza humana, como a coragem, a criatividade, a sabedoria e tenacidade, dando a conhecer ferramentas que auxiliam o individuo no seu percurso de vida – com os seus altos e baixos. Reconhecer que temos em nós capacidades para lidar com estas oscilações naturais, refina o poder de, a partir de características positivas, conseguir lidar com os problemas da vida diária, tornando-a mais completa e mais bela. 

nível de grupo, a investigação centra-se em organizações e instituições. Procuram-se construir ambientes de trabalho felizes através de práticas positivas, da liderança empática e positiva por exemplo, criando as chamadas organizações e instituições positivas, que são aquelas que procuram não apenas alcançar os seus objetivos financeiros e de desempenho, mas também promover o bem-estar, a felicidade e o desenvolvimento pessoal de seus funcionários e dos stakeholders em geral. 

Estas organizações adoptam práticas e culturas organizacionais que incentivam o florescimento humano e a criação de ambientes de trabalho saudáveis. O conceito de organizações positivas está intimamente ligado à psicologia positiva e à ideia de que o bem-estar dos colaboradores pode levar a melhores resultados organizacionais, gerando também mais e melhor produtividade e trabalhadores mais felizes e bem sucedidos. (1)

Num terceiro nível, nível social, a pesquisa concentra-se no sistema social. O objetivo é fomentar uma ordem social positiva para alcançar o bem-estar, a vida comum, a justiça, a tolerância e a sustentabilidade (2). 

Quem sabe se uma nova forma governativa ou sistema económico…?

É por isso evidente que existe uma relação quase progressiva nos três níveis, sendo o ‘positivo’ o principal eixo que os liga.

Uma revisão de literatura (3), revelou que na psicologia positiva, as intervenções que ocorrem na comunidade são ricas em conteúdo e método de entrega. No entanto, concentram-se ao nível individual e visam melhorar a sociedade, uma pessoa de cada vez. As muitas intervenções analisadas neste estudo, não abordam questões contextuais fatores, mas sim fenómenos de nível individual. Embora útil para o indivíduo participante, existem fatores estruturais que permitem ou inibem o bem-estar pessoal, de grupo ou comunitário, como a distribuição desigual de recursos ou a discriminação, e que não são abordados por intervenções de psicologia positiva.

Num estudo de 2015 (4), surge a noção de psicologia social positiva sustentada na teoria bio-ecológica do desenvolvimento humano de Bronfenbrenner – uma das estruturas teóricas mais conhecidas no desenvolvimento humano.

A teoria dos sistemas ecológicos multiníveis de Urie Bronfenbrenner (1977) como estrutura, fornece uma visão geral de intervenções e pesquisas de bem-estar sociocultural em vários níveis de escala (microssistemas, mesossistemas, exossistemas, macrossistemas e ecossistemas), e veio demonstrar como uma mudança positiva no bem-estar pode ser afetados pela manipulação estratégica de fatores contextuais socioculturais e sugerir maneiras pelas quais a adoção de tal abordagem contextual pode informar a formulação de políticas.

É essencial o diálogo entre os vários sistemas e nas diversas dimensões da vida humana.

Representação Visual do Modelo

Um diagrama típico do modelo ecológico de Bronfenbrenner mostra uma série de círculos concêntricos, com o indivíduo no centro, cercado pelos cinco sistemas. Cada círculo representa um nível diferente de influência ambiental, com o microssistema mais próximo do indivíduo e o macrossistema no perímetro exterior.

Importância do Modelo

O modelo de Bronfenbrenner destaca a complexidade do desenvolvimento humano e a importância de considerar múltiplos contextos e suas interações. Ele ajuda a entender que o comportamento e o desenvolvimento não são resultado apenas de características individuais, mas também de influências contextuais e temporais. Este modelo é amplamente utilizado em pesquisas e práticas para desenvolver intervenções e políticas que considerem essas múltiplas camadas de influência.

A integração de um ambiente sustentável com os princípios da psicologia positiva cria uma base sólida para o florescimento humano. A sinergia entre a saúde ambiental e o bem-estar psicológico reforça a ideia de que a sustentabilidade não é apenas uma questão ecológica, mas também um imperativo para a realização plena das potencialidades humanas. Promover um ambiente sustentável e práticas de psicologia positiva pode, portanto, levar a uma sociedade mais saudável, feliz e resiliente.

Existem diversas ações voltadas para a sustentabilidade que também promovem sentimentos positivos e bem-estar, como por exemplo:

Jardinagem Comunitária

Benefícios Sustentáveis: Promove a agricultura local e reduz a pegada de carbono associada ao transporte de alimentos;

Benefícios para o Bem-Estar: Estar em contacto com a terra e as plantas aumenta o sentimento de conexão com a natureza e reduz o estresse. Além disso, trabalhar em comunidade fortalece os laços sociais e o sentimento de pertença.

Já ouviu falar do conceito japonês de Shinrin-yoku? … banhos de floresta?

Educação Ambiental para Crianças e Adultos

Benefícios Sustentáveis: Educar para as práticas sustentáveis da reciclagem, conservação de água e energia promove comportamentos ecologicamente responsáveis.

Benefícios para o Bem-Estar: Aprender novas habilidades e adquirir conhecimento sobre o meio ambiente aumenta a sensação de competência e propósito. As atividades educativas muitas vezes envolvem interação social, fortalecendo a coesão comunitária.

Práticas de Economia Circular

Benefícios Sustentáveis: Reduz o desperdício e a poluição, promove a reutilização, reciclagem e reparação de produtos.

Benefícios para o Bem-Estar: Criar ou participar de redes de troca e reparação de bens/estar ao serviço, pode aumentar a criatividade, o senso de competência e a satisfação por contribuir para um sistema mais sustentável.

Participação em Movimentos e Voluntariado Ambiental

Benefícios Sustentáveis: Contribui para a conservação de ecossistemas e espécies, além de promover práticas sustentáveis em comunidades.

Benefícios para o Bem-Estar: O voluntariado proporciona um senso de propósito e satisfação pessoal, além de fomentar o altruísmo e a conexão com outras pessoas que compartilham os mesmos valores.

E tantas outras…

Hoje em dia fala-se de psicologia ambiental que estuda as inter-relações entre o comportamento humano, o ambiente (construído, natural, sociocultural ou simbólico) e o bem-estar, adoptando uma perspectiva ecológica, permitindo contributos de diferentes disciplinas como a arquitetura, a geografia ou o planeamento urbano. (5

A promoção de valores sustentáveis pode ser reforçada pela psicologia positiva, que incentiva atitudes e comportamentos que contribuem para o bem-estar coletivo:

Comunidades Sustentáveis e Coesão Social

Comunidades que adotam práticas sustentáveis tendem a ser mais coesas e colaborativas (6):

Engajamento e Apoio Social:  Participação em iniciativas comunitárias de sustentabilidade fortalece laços sociais e cria um sentido de comunidade, que são fundamentais para o florescimento humano.

Justiça Social e Ambiental: A busca por sustentabilidade geralmente inclui a promoção de justiça social e ambiental, garantindo que todos os membros da comunidade tenham acesso a recursos essenciais e oportunidades para uma vida saudável e produtiva.

A prática sustentável de gratidão e altruísmo, envolve um sentido de responsabilidade e felicidade coletiva, que são valores promovidos pela psicologia positiva. Cultivar a gratidão pela natureza e pelos recursos pode aumentar a felicidade e o sentido de propósito.

Listamos algumas referências que fornecem uma base sólida para entender a interseção entre sustentabilidade, psicologia positiva e florescimento humano.

E ainda um Plano Semanal para uma Alimentação Saudável e Sustentável cheio de ideias boas e práticas – um projecto da ANP em associação com a WWF

Boas leituras! Cuide de si, cuide do planeta-casa.

Bookchin, M. (2005). The Ecology of Freedom: The Emergence and Dissolution of Hierarchy. Oakland: AK Press.

Orr, D. W. (2004). Earth in Mind: On Education, Environment, and the Human Prospect. Washington, D.C.: Island Press.

Seligman, M. E. P. (2011). Flourish: A Visionary New Understanding of Happiness and Well-being. New York: Atria Books.

Csikszentmihalyi, M. (1990). Flow: The Psychology of Optimal Experience. New York: Harper & Row.

Louv, R. (2008). Last Child in the Woods: Saving Our Children from Nature-Deficit Disorder. Chapel Hill, NC: Algonquin Books.

Mayer, F. S., & Frantz, C. M. (2004). The Connectedness to Nature Scale: A Measure of Individuals’ Feeling in Community with Nature. Journal of Environmental Psychology, 24(4), 503-515.

Kasser, T. (2009). Psychological Need Satisfaction, Personal Well-being, and Ecological Sustainability. Ecopsychology, 1(4), 175-180.

Pretty, J., Peacock, J., Sellens, M., & Griffin, M. (2005). The Mental and Physical Health Outcomes of Green Exercise. International Journal of Environmental Health Research, 15(5), 319-337.

Manzo, L. C., & Perkins, D. D. (2006). Finding Common Ground: The Importance of Place Attachment to Community Participation and Planning. Journal of Planning Literature, 20(4), 335-350.