Responsabilidade Social: uma longa evolução através do tempo

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O que é, afinal, a responsabilidade social (RS)? Há quem associe a RS apenas a grandes empresas que doam dinheiro a causas ambientais ou sociais, ou que plantam árvores. Mas a RS é muito mais ampla e a sua história é longa. A RS é a obrigação de qualquer entidade, empresa, organização, ou indivíduo, de agir de forma ética e contribuir para o desenvolvimento sustentável da sociedade. Isto implica considerar o impacto das nossas ações no ambiente, na sociedade, nas pessoas e na economia.

O percurso da humanidade é longo, mas diminuto se comparado ao tempo do universo. No entanto, num espaço de tempo tão reduzido, desenvolvemos a capacidade de deixar marcas devastadoras. O universo esperou cerca de 13,8 mil milhões de anos para poder ser apreciado por vida inteligente. Mas será que já merecemos ser considerados vida inteligente?

Com efeito, na nossa relação com o planeta, começámos por uma coexistência relativamente equilibrada. O Homo sapiens surgiu apenas há 200-300 mil anos. No Paleolítico, éramos caçadores-coletores e fazíamos parte da natureza. A agricultura no Neolítico marcou uma extraordinária mudança. Para sobrevivermos, começámos a modificar a natureza. 

Com os grandes impérios (Grécia, Roma, China), o uso de recursos aumentou exponencialmente, e a natureza passou a ser vista como algo a ser explorado. 

No pensamento filosófico da Grécia Antiga, a responsabilidade do indivíduo no contexto social (polis) já estava presente. Aristóteles associou a felicidade à busca do bem comum e à prática das virtudes em sociedade. Na Idade Média, a RS estava ligada à hierarquia divina (teocentrismo) e à caridade cristã.

Com o Renascimento, o foco mudou gradualmente do teocentrismo para o humanismo. O Iluminismo trouxe as ideias de progresso, liberdade individual e a crítica aos privilégios, dando fundamento à RS moderna. É com a Revolução Industrial (século XVIII) e os combustíveis fósseis que a intervenção humana se intensifica de forma radical, criando uma separação da natureza nunca antes vista.

No século XX e XXI, dá-se a “grande aceleração”, com o consumo em massa e com tecnologias mais avançadas. O impacto humano cresceu para níveis críticos, nomeadamente em matéria de alterações climáticas, perda de biodiversidade, poluição e esgotamento de recursos. Foi neste contexto que se desenvolveu a Consciência Ambiental e a ideia de sustentabilidade, nomeadamente com Rachel Carson e a sua obra “Silent Spring”.

O conceito formal de RS surge na década de 1950 com o economista Howard R. Bowen, que a define como a obrigação dos empresários de alinhar as suas decisões com os valores da sociedade. Antes dessa definição, a RS existia como dever moral e religioso (caridade e justiça), paternalismo (ações de grandes empresários em benefício dos trabalhadores e das comunidades) e preocupação social (resposta a problemas sociais causados pela industrialização). O grande avanço de H. Bowen foi formalizar estas preocupações e práticas isoladas num conceito teórico aplicado especificamente ao “homem de negócios” e, mais tarde, às empresas, iniciando o estudo e a gestão da RS como um campo formal. Hoje em dia a responsabilidade social é de todos. 

A RS assenta em três pilares interligados: o ambiental, o social e o económico.

O pilar ambiental visa preservar e proteger o meio ambiente. Implica a adoção de práticas promotoras da proteção ambiental, a gestão eficiente dos recursos e o uso de energias renováveis. 

O pilar social propõe-se promover o bem-estar das pessoas e das comunidades. As empresas e as organizações devem integrar preocupações sociais, deixando de estar focadas apenas no lucro.

O pilar económico visa gerar valor de forma ética. Refere-se ao compromisso das organizações de serem financeiramente saudáveis e de gerarem valor para todos os stakeholders e não apenas para os acionistas.

Por seu lado, os indivíduos devem praticar a cidadania ativa, assumindo ações conscientes, praticando o consumo responsável e apoiando projetos comunitários. Todos nós podemos contribuir para um futuro mais sustentável e equitativo. 

Há quem reduza a RS a um pequeno esforço de caridade ou, ao nível das empresas, a um relatório anual de sustentabilidade. Por vezes procura-se apenas para disfarçar impactos negativos: é o chamado greenwashing.

É preciso ir mais longe. Para esse efeito, é necessário introduzir uma nova lente na nossa reflexão: a Ambição Moral.

O historiador e autor holandês Rutger Bregman, no seu livro “Ambição Moral”, lança um desafio radical: uma grande maioria das pessoas talentosas está a desperdiçar o seu tempo em “bullshit jobs” que não adicionam valor, ou que são ativamente prejudiciais. A sua tese é simples, mas subversiva: o nosso tempo (as nossas valiosas 2.000 semanas de trabalho na vida) é o nosso recurso moral mais precioso, e a forma como o usamos é a nossa decisão ética mais importante.

Esta nova perspetiva exige uma transição em cada um dos pilares da RS:

Do “Menos Mau” para a Regeneração

A RS tradicional neste pilar limita-se a uma redução da nossa pegada: reciclar, cortar o uso de papel ou comprar créditos de carbono. É um esforço para não ser mau. A Ambição Moral exige uma visão mais arrojada. O foco tem de estar na ação regenerativa.

Para as empresas, não se trata apenas de reduzir emissões, mas de investir em inovações que eliminem ativamente o carbono da atmosfera, de repensar toda a cadeia de abastecimento para fechar ciclos e criar uma economia circular. 
Para o indivíduo, isto pode significar dedicar a carreira a desenvolver soluções energéticas limpas trabalhando em empresas de energias renováveis ou na investigação de novos materiais sustentáveis; ou usar competências financeiras/jurídicas para financiar projetos de economia circular ou de reflorestação; ou utilizar capacidade de influência (como jornalista ou ativista, por exemplo) para pressionar legislação que promova a regeneração de ecossistemas. A meta deixa de ser poluir menos para passar a ser melhorar o planeta com a nossa atividade.

Do Voluntariado à Resolução de Problemas Centrais

A RS tradicional está associada a doações a instituições de caridade ou ações de voluntariado pontuais. A Ambição Moral exige que usemos as nossas competências centrais para o bem social.

Não se trata apenas de dar dinheiro (embora isso seja importante), mas de aplicar talento especializado para resolver as desigualdades com a mesma intensidade com que se resolve um problema de mercado. Por exemplo, em vez de contribuir com donativos, dedicar parte significativa do seu tempo (pro bono) a apoiar uma ou mais ONG. Um gestor altamente eficaz não aceita um “bullshit job” com um salário elevado, mas aplica as suas capacidades de liderança e estratégia para dirigir uma ONG de alto impacto, uma organização de saúde global ou uma iniciativa de combate à pobreza eficaz. O impacto não é medido pelas horas de voluntariado, mas pela justiça social criada e pela resolução de problemas centrais da sociedade.

Do Lucro à Criação de Valor Partilhado

A RS tradicional visa cumprir a lei, evitar escândalos e manter alguma transparência, com o foco primordial no lucro para o acionista. A Ambição Moral coloca a ética como a própria vantagem competitiva.

Isto significa lutar ativamente contra a evasão fiscal (mesmo que seja legal), garantir que toda a cadeia de valor tem condições de trabalho e salários justos, e medir o sucesso não pelo balanço financeiro exclusivo, mas pelo valor social e ambiental líquido gerado. É um modelo que entende que a sustentabilidade do lucro a longo prazo depende diretamente da sustentabilidade da comunidade em que se opera.

A RS deve ser vista como uma ponte que liga o sucesso de qualquer entidade, seja uma empresa, uma organização ou um indivíduo, ao bem-estar coletivo. A mensagem de Bregman e a tese deste artigo convergem num ponto crucial: a ação é tudo. O mundo não precisa de mais pessoas com boas intenções que adiam a mudança. A Ambição Moral é inseparável da eficácia. É preciso fazer a diferença real e mensurável. Não é suficiente sentir-se bem; é preciso fazer o bem de forma estratégica.

Tudo depende de como nos vamos organizar coletivamente, de forma socialmente responsável. Será que temos a capacidade de sonhar um futuro para a humanidade, em harmonia com o planeta e o universo? Essa Paz é alcançável? Com dizia Pessoa, vivemos no lusco-fusco da consciência, na véspera do despertar. Para quando essa incrível capacidade de viver em apreciação da vida, do universo, como verdadeira vida inteligente?

António Reca de Sousa, 2025


Bibliografia:

  • Primavera Silenciosa, Rachel Carson, Imprensa da Universidade de Lisboa
  • Social Responsibilities of the Businessman, Howard R. Bowen.
  • Ambição Moral – Pare de desperdiçar o seu talento e faça a diferença, Rutger Bregman, Bertrand Editora.